terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Missão 2 - Um Casamento Fora De Época : Parte 1

*No Dia Seguinte, De Manhã*

  Eu nunca dormi tão bem na minha vida inteira. O sofá duro, a raiva de estar de babá, a dúvida sobre a família daquela menina... É mais que óbvio que estou sendo sarcástico. Se eu batesse em mulher, viraria um murro na cara dela pelos problemas que ela está me causando até agora. Mas como eu sou muito legal, até café da manhã eu fiz pra ela. Estou pensando seriamente em pedir alguma coisa em troca...

  E falando no diabo, ela chega.
 - Bom... dia... - disse, meio constrangida. Porque será?
 - Bom dia. Está melhor?
 - Sim, obrigada...
 Um silêncio constrangedor tomou conta da minha varanda e nenhum de nós conseguia se olhar ou mover.
 - Senta ai, você deve estar com fome.

  Como ela não era boba (não muito), ela rapidamente agradeceu e começou a comer o Queijo Grelhado que fiz. Agora eu percebi que ela estava com um vestido, e não com as roupas de ontem.
Ficamos em silêncio um bom tempo até finalmente conseguirmos quebrar o gelo. Ou melhor, ela conseguiu da pior forma possível.

  - Olha, eu quero agradecer por ter me ajudado ontem. Não que eu lembre de muita coisa, mas eu tenho certeza que você me ajudou, então...
 - Não quero nada em troca. - era quase uma verdade. - Não faço essas coisas querendo me dar bem. - só se for um trabalho.
 - Você é meio diferente das outras pessoas... Ah! Lembrei! Eu estava procurando alguma coisa pra vestir e achei esse vestido em uma das gavetas. - ela nem fuçou nas minhas coisas... - Tem algum problema em usar ele?
 - Não, porque?

  - É que ele estava bem dobrado e guardado na última gaveta, dai eu achei... - a partir dai eu não ouvi mais nada. Agora eu lembrei da onde era aquele vestido.
 - Pode ficar pra você se quiser.
 - Então o vestido é seu? - o que raios ela estava pensando?!

  - Não. Da minha ex-mulher. Ela deve ter esquecido quando estava pegando as coisas dela.
 Ela ficou muda com um semblante muito sério. Era a primeira vez que eu tinha visto ela assim e até por algo que eu falei. Me levantei para levar os pratos para a máquina de lavar quando ela finalmente esboçou alguma reação.

  - Ah! Ah! Eu ajudo, pode deixar!
 - A frase que você mais vai ouvir de mim é "não precisa". Acostume-se.
 - Não, mas e o vestido...
 - Sem problemas, você pode ficar. Se ela deixou é porque não queria. E você fica melhor nele do que ela. - não era exatamente uma verdade mas também não era mentira. Ela era a segunda mulher que tinha usado aquilo, então não tinha muitas comparações.

  - Você se importa de eu fazer uma pergunta? - ela me seguiu até a cozinha e fez essa pergunta bem direta.
 - Não...
 - Você já foi casado?
 - Óbvio. Sou divorciado.

  - E porque vocês se divorciaram? - e porque ela queria saber?
 - Digamos que ela não gostava da minha maneira de agir. Um dia deixou o papel de separação e levou nosso filho junto. Não, eu não sei onde eles estão, isso foi à alguns anos. Mas é uma conversa bem chata, então não vou te incomodar.
 - Tudo bem... Vou embora agora, muito obrigada por ter me ajudado e desculpe por qualquer coisa.

  - Sem problemas.
Tá, o que era pra ser um aperto de mão, virou um abraço amigável e depois nem tão amigável. Dava pra perceber que ela tinha ficado triste com a minha história mas sem motivo. Falo disso normalmente, só não achava que ela gostaria de saber.

  Como um bom ser-humano, acompanhei ela até a saída. Por um milagre divino, um táxi vazio passava na exata hora em que botamos o pé na calçada e ela logo entrou. Eu acenei e me despedi dela, mas eu não sei se ela não percebeu ou me ignorou propositalmente. Pelo menos agora tenho descanso.

  - Ótimo, hoje é dia de contas. Eba... - fui sarcástico, obviamente.
 - Inútil, não é interessante, sem importância, conta, carta, propaganda, conta... carta?

  - E não é que é uma carta requisitando meus trabalhos?
Olhei no endereço e não tinha nada. Nem no remetente, nem no recebedor. Só estava escrito "Derrick V.H." na capa e nada mais. Dentro estava as seguintes instruções :
 - Encontre-me na biblioteca central de Bridgeport.

  Esquisito. Quem me mandaria uma carta dessas? E quem viria aqui para botá-lo no meu correio? Aaron? Não... ou será que sim? Não importa, vou ligar pra ele.

  - HOLANDÊS! - antes de eu dar um "alô", ele veio me atropelando. Não tinha nem tocado direito. - Escute com atenção! Ignore outra ligação minha e eu corto a sua cabeça!
 - Claro...
 - Silêncio! Deus, me ajude a me controlar...
 - Sobre o que você queria falar comigo?
 - Chegou uma carta aqui pra você. Sem remetente e sem recebedor. Só pedia para...
 - Eu encontrar essa pessoa na biblioteca. Beleza, valeu.
 - Mas como vo... - desliguei na cara dele só para deixá-lo irritado.

  Bom, se mandaram para o Aaron, quer dizer que precisam mesmo do meu trabalho. Subi na moto e fui, pensando no tipo de pessoa que escreveria uma carta, e não um email ou me ligaria.

  Claro que eu não devia ter falado onde era o ponto de encontro. Quando cheguei na porta de entrada, vejo Aaron, Esme e Viktor parados e impacientes. Estava prestes à receber uma recepção nada agradável.

  Por sorte tinha uma outra entrada, pelo andar de baixo que me salvou. Fui silenciosamente para não chamar atenção de nada ou ninguém e deu certo. Dei uma volta dentro da biblioteca pra ver alguém suspeito mas nada.

  - Vou ler um livro então.
 Era um plano ótimo. Enquanto esperava por alguém que eu nunca tinha visto, eu podia tentar ter mais cultura ou seja lá o que eu estivesse lendo.

  Meu primeiro livro foi da história da arte. Eu folheei, li algumas coisas, passei algumas imagens e não aguentava mais.

 Depois peguei um que nem lembro qual era. Resolvi só folhear mesmo. E folheei... folheei...

  Folheei...folheei...folheei...folheei...folheei...

 Até que eu cai no sono. Claro, a culpa não era minha e sim da pessoa que me deixou plantado feito um otário. Devo ter dormido por umas 5 horas porque eu pude perceber que já tinha escurecido.

  - Jovem, biblioteca não é lugar de se dormir... - uma voz rouca e um tanto quanto baixa disse, me acordando.
Abri os olhos devagar e arrumei minha postura na cadeira.

  Era um velho, devia ter uns 60 ou 70 anos, mas o que fazia na minha frente, e mais importante, me acordando?
 - Será que seus serviços são tão bons quanto sua resistência?

  - Ah, então foi você que mandou a carta. - bem pensado, um velho. - Senhor, perdão minha grosseria, mas não é educado deixar alguém esperando...
 - Não te deixei esperando. Queria te testar para ver se aguentava o trabalho.
 - Como assim?

  - Ora, se você conseguisse esperar alguém que nunca viu na vida por mais de horas, eu teria certeza que estaria pronto para sua missão. E tive!
 - Então era um teste?
 - Exato! - ele ria bem descontraído. Estava na cara que era mentira.
 Se aquilo era um teste, prazer, meu nome agora é Chapeuzinho-Vermelho.

  - Siga-me. Vamos conversar em particular.
 - Sim senhor.
 Pra um velhinho, ele andava rápido, mesmo com bengala. Minha maior dúvida era o que eu tinha a oferecer para alguém como ele. Parecia tão calmo, tranquilo que eu duvido que precisasse de algum serviço pesado.

 Chegamos numa sala grande, com duas mesas juntas e várias cadeiras. Também tinha um TV bem grande na parede da sala, mas eu sabia que não iríamos assistir à nada.
 - Então...
 - Acalme-se jovem! Vamos nos sentar!
 Estou. Perdendo. A. Paciência.

  - Senhor, eu nem sei seu nome então vou me apresentar. Meu nome é Derrick Van der Hulf e sou especialista em resolver problemas "diferentes". O que uma pessoa como o senhor teria à tratar comigo?

  - Meu nome é Silver Rey. Soube de seus serviços com a família Chevalier, amiga minha. Se importaria de ouvir minha história antes? - Tá de brincadeira, né?
 - Não senhor. Se isso for nos ajudar...
 - Perfeito!

 Ele se levantou e resolveu andar pela sala sem parar. Estava me deixando nervoso mas eu pude perceber que ele também não estava confortável para conversar.
 - Se o senhor desejar, não precisa me contra...
 - Sim! Preciso! Por favor! - Ele estava bem desesperado...

  - Eu nasci aqui já faz um bom tempo. Na minha adolescência, me mudei para Champs Les Sims onde morei até meses atrás. Meus avós tinham morrido então a herança era uma casa bem grande...

  - Ainda na minha adolescência, me apaixonei perdidamente por uma mulher. Linda Ervanto era seu nome. - nome estranho para uma francesa. - Lindos cabelos ruivos que tocavam sua cintura, olhos verde-esmeralda que brilhavam com o sol...

  - Rapidamente, eu percebi que tinha me apaixonado perdidamente por ela, mas havia um problema. Seus pais haviam oferecido uma certa quantia ao homem que conseguisse transformá-la em mulher, conscientemente.
 - Os pais dela pediram isso? - tinha me assustado com essa frase.
 - Bizarro, não? Mas esses eram os períodos. - nunca mais reclamo dos meus pais...

  - Depois de anos, ao perceber que não aguentava mais nenhum segundo daquela vida, ela fugiu de casa. Fugiu e eu acabei a encontrando por acaso. Nos apaixonamos perdidamente naquele momento e prometemos fugir juntos, mas isso não foi possível.

  - Já estávamos noivos e ela já tinha se transformado numa mulher comigo quando um dos pretendentes nos achou. Levou-a de volta para a casa dos pais dizendo que ele tinha a salvo de um sequestrador. Os pais dela rapidamente deram a mão dela à este homem e a obrigaram-a se casar.

  - E o senhor?
 - Eles me procuraram por anos, tanto que me tornei um fugitivo na época. Alguns meses atrás, consegui forjar um acidente onde me deram como morto, só assim pude vir para esta cidade. E é ai que você entra.

  - Desculpe, eu não entendi.
 - Minha amada pensa que estou morto. Prometi à ela que nunca desistira até estarmos juntos e felizes. Eu não posso voltar à Champs Les Sims agora, se não me condenam.

  - Então você deve ir para lá, trazer meu amor para cá e fim.
 - "Fim"? Dai eu arco com as Leis. Não posso simplesmente ir lá, sequestrá-la e trazê-la para cá. É insano.

  - Sabia que você não concordaria... Os jovens de hoje são fracos e preguiçosos, não tentam ajudar nem os mais velhos. Fazem-nos perder nosso precisos tempo contando-lhes sobre nossa vida e não dão a miníma importância. Mas não tem problema, eu posso achar outro profissional facilmente por aqui...

  - ... Não concorda? - o sorriso dele me explicou tudo. Estava tentando me fazer uma chantagem psicologia, colocando em dúvida minhas habilidades para que eu me suicidasse numa missão ridícula.

  - Os jovens de hoje podem ser assim, mas eu não. Vamos falar de negócios. Não faço nada de graça e o que está me pedindo sairá muito caro, além das despesas que vou ter que gastar, as leis que vou ter que enfrentar...

  - 1.000.000§.
 - Feito. Mas como você tem todo esse dinheiro?

  - Não fiquei parado todos esses anos, jovem. Precisaria de dinheiro pra essa ocasião e pretendo gastar tudo o que eu tenho, mas você tem que jurar que terá sucesso.
 - Eu tenho um plano melhor...
 - E qual é?

 Expliquei detalhadamente minha ideia e seus olhos brilhavam a cada palavra. Ele me corrigia quando precisava e se emocionava algumas vezes. Deu pra perceber que ele estava disposto à largar tudo que tinha pela mulher que ele amava, o que eu acho inútil mas a opinião minha não conta.

  - Então já está tudo em ordem. Sairei para Champs Les Sims ainda hoje, não se preocupe. Só não se esqueça do que combinamos...
 - Sou velho mas me dedico. Não esquecerei muito menos se tratando disso.
 - Ok, vou indo agora. Adeus.
 - Adeus e boa sorte...

 Voltei pra casa e mentalizei o plano umas mil vezes. Não tinha como dar errado se não houvesse nenhuma interrupção da polícia ou do governo. Se desse tudo certo, nem precisaria levar armas ou proteção.

  Cheguei em casa e troquei de roupa rapidamente. Parte do plano era eu me passar por um turista, mas não tão exageradamente. Coloquei um casaco razoável, uma jeans e um tênis simples. Mas faltava alguma coisa...

  - Tá, vamos ver... - cruzei os braços e me avaliei no espelho.
 - Corte de cabelo? Não, está bom. A roupa também, as malas já estão prontas... Ah, claro! Se eu tenho que parecer um turista, não posso ser reconhecido!

  Liguei para o aeroporto antes de terminar de me arrumar.
 - ... Ok senhor Hulf. O senhor já está cadastrado. O que deseja?
 - Quero sua passagem mais rápida para Champs Les Sims.
 - Estão desocupadas 3 cadeiras no setor econômico e 6 no setor executivo. Qual deseja?
 - Qualquer uma do setor executivo. Quando sai o voô?
 - Daqui à 4 horas.
 - Ótimo. Estarei ai em 2 horas. Obrigado.

  Parei na frente do espelho do banheiro sem coragem nenhuma em colocar aquilo. Era ridículo, vergonhoso, desconfortável mas essencial para parecer um turista.

 - Pronto. Acho que essa barba falsa vai dar pro gasto. Só espero que não me dê nenhuma reação alérgica...
  Pode parecer besteira mas grande parte dos turistas tem barba rala ou normal. Quando você raspa, dá um aspecto de morador, alguém acostumado com tudo na cidade. Além do que, barba é bem legal.

 Liguei pro táxi do aeroporto pegar minhas malas e ele chegou bem rápido. Alguns minutos depois da sua saída, montei na minha moto e segui para o aeroporto. Se tudo desse certo, eu estaria de volta em Bridgeport em 3 dias, mas se alguma coisa desse errado, eu tinha grandes chances de passar o resto da minha vida enjaulado...
 Agora estou contando com a sorte, com o tempo e com a compreensão dos moradores...

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